eu?

eu sou feito de camadas. o meu corpo é apenas um instrumento que tenta ditar aquilo que interiormente se vai passando: existem duas pessoas batalhando entre si, mesmo dentro de mim. os meus olhos são o carimbo de garantia do sorriso que os meus lábios esboçam. a minha pele é um branco lençol virgem que te anseia a cada dia mais. sim, eu sou igual a ti. sim, eu sou diferente mas não eu também não sou igual e muito menos diferente de vós. sou como toda a gente, viajo no mesmo barco, rumo na mesma direcção e até ancoro nos mesmos locais. mas não, eu não tenho o mesmo destino nem o mesmo porto de abrigo. sim, eu sou fugir, sou noite, sou vícios, e sou chuva, sou tudo isso junto no mesmo milésimo de segundo. 
sou músicas penetrantes às 4 da madrugada e cigarros que passam efémeros antes de nascer o dia. sou gritos abafados pela incompreensão, não só do mundo como por vezes, de mim mesmo. sou o pisar a areia antes do sol se pôr e o mergulhar depois da lua se estender. eu sou aquele que gosta de contar os dias, as horas e até os minutos. já os segundos esqueço-me sempre de os contar, no entanto são os que mais vivo. onde deposito mais intensidade, mais vida, mais eu. se juntasse os melhores segundos que já tive numa só colectânea criava a maior droga do planeta, da qual ninguém conseguiria sair vivo; e escreveria um livro com os 30 melhor segundos que já vivi. eu conto horas quando o meu eu interior e o meu eu exterior se focam no mesmo. mas tento sempre congelar os momentos para os quais depositei uma vida enquanto os ansiava. nunca consegui. nem por um segundo parar o mundo enquanto comia o último quadrado de chocolate ou quando me caia a primeira gota de chuva do ano, enquanto bebia o último golo da garrafa ou dava o último mergulho do verão, enquanto fumava o último trago do cigarro ou recebia um beijo de despedida, enquanto comia a última goma ácida da saca ou o último minuto em que pisava o palco.

se me dessem um poder eu só pedia esse: 

poder congelar os segundos de pura e frenética felicidade.

até já,

rodolfo freitas